Resumo: Caso em que a Autora possuía conta em famoso site de compras, que lhe forneceu crédito sem solicitação prévia e ainda permitiu a invasão por Hackers, que lhe subtraíram quantia em dinheiro por meio de operação de crédito junto a site de jogos virtuais.
Ao Juízo de Direito da ____ Vara Cível da Comarca de São Bernardo do Campo – Estado de São Paulo.
[Nome
e qualificação da Autora], por meio de seu
advogado, vem à presença deste Juízo para, com fulcro nas normas legais e
entendimentos jurídicos aplicáveis ao caso, propor a presente:
Ação declaratória de inexigibilidade
de débito cc pedido de indenização por danos morais e pedido de tutela de
urgência
em desfavor de [Denominação e qualificação do Réu],
o que faz conforme os elementos de fato e argumentos de direito a seguir
expendidos:
1. Do suporte fático
A Autora, que possui conta
virtual perante o site do Réu www.xxxxxx.com.br e o utiliza para compras
diversas, foi vítima, no último dia 20/04/2.024, de uma fraude praticada,
aparentemente, por uma invasão de sua conta por golpistas, que efetuaram uma
compra indevida, no importe de R$ 2.704,10 (Dois mil, setecentos e quatro reais
e dez centavos), a crédito, parcelado em 10 (dez) pagamentos no valor de R$
270,41 (Duzentos e setenta reais e quarenta e um centavos), com a primeira parcela
com vencimento a partir do dia 16/05/2024.
Ocorre, que apenas em
24/04/2.024, a Autora recebeu um e-mail informando a compra, ocasião em
que denunciou a invasão de sua conta perante o Réu, pois se tratava de uma
operação desconhecida e criminosa.
Na mesma oportunidade, a
Autora tomou ciencia de um crédito que lhe foi disponibilizado sem que tivesse
solicitado, no valor de R$ 31.836,00 (Trinta e um mil, oitocentos e trinta e
seis reais), o que possibilitou a fraude e pode possibilitar outras.
Conforme os documentos
anexados, a Autora entrou em contato com o Réu sobre a situação, contudo negou
qualquer responsabilidade no evento, alegando que o acesso à sua conta digital
se deu com o uso de identificação e senha.
O Réu ainda negou
maiores informações e indicou a empresa xxxxxxx Ltda, que é meio de pagamento
para o site de jogos https://xxxxxxxxx.com/pt-br/, que poderia indicar
maiores informações.
Por sua vez, ao entrar
em contato por e-mail, a Autora recebeu da referida empresa, a indicação
que a responsabilidade seria do Réu, conforme verifica-se na resposta
demonstrada pela ilustração a seguir apresentada:
[imagem da mensagem da resposta ao e-mail enviado pela
Autora]
Inconformada com a
fraude, a Autora registrou Boletim de Ocorrência (Doc.j.), realizou reclamação
perante o Procon (Doc.j.) e perante o site https://consumidor.gov.br/ (Doc.j.), contudo, o Réu continuou sustentando que não
reconhecia fraude e que o acesso se deu mediante senha pessoal e
intransferível.
Desta forma, não resta
alternativa para a Autora, senão socorrer-se da tutela jurisdicional para que o
débito lançado em seu nome, de maneira totalmente fraudulenta e criminosa, seja
declarado inexigível e, para que, diante do ilícito que foi vítima e dos
dissabores que está vivenciando, seja o Réu, condenado no pagamento de uma
indenização por danos morais.
2. Do direito
2.1. Da inexigibilidade do débito
Conforme vemos na
documentação ora apresentada, notadamente a consulta feita no sítio eletrônico
do Banco Central do Brasil (Doc.j.), que o Réu é uma Instituição de pagamentos
que administra o Crédito fornecido para a Autora e os pagamentos feitos em
compras perante o site “xxxxxx”.
Além disso, sem o
conhecimento e anuência da Autora, o Réu lhe concedeu vultuoso crédito, como
Instituição Bancária e a fraude só ocorreu por conta dessa situação.
De forma inicial, vemos
que o caso é de relação de consumo, tendo em vista que o nexo causal entre os
fatos e a responsabilidade civil do Réu decorrem do fato que, na relação
jurídica ora discutida, vemos um Fornecedor de serviços e uma Consumidora,
conforme interpretação que decorre do texto legal constante do Código de Defesa
do Consumidor, o que podemos verificar na transcrição textos legais ora
invocados:
“Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica
que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas,
ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.” (grifos
ausentes no texto original)
“Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica,
pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes
despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação,
construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou
comercialização de produtos ou prestação de serviços.” (grifos
ausentes no texto original)
Com o desconhecimento e a contestação
da compra indevida realizada sem autorização, conforme narrado no tópico
inicial, inclusive com a comunicação dos fatos à autoridade policial, demonstra
que o sistema do Réu não impediu, mesmo com ampla possibilidade, a
ocorrência da fraude e não permitiu o cancelamento da dívida lançada em nome da
Autora.
Inicialmente se destaca
a falha do Réu, ao não
ter comunicado imediatamente a Autora, sobre uma operação em que era
totalmente possível, mas tal comunicação ocorreu apenas 4 (quatro) dias após
e não houve, aparentemente, a utilização de mecanismos de segurança para
impedir fraudes deste tipo, como um token eletrônico, mensagem sms ou
mesmo ligação telefônica, que eram meios que estavam totalmente à sua
disposição.
A falha na prestação de
serviços ofertada pelo Réu, é que, mesmo avisado da ocorrência de uma fraude,
considerou a simples utilização de seu sistema, com a utilização de senha,
considerando a situação, então, normal, o que não pode prevalecer.
Vemos na atitude do Réu,
que não adotou qualquer providência para solucionar a questão e questionar a
Empresa que recebeu o valor creditado, a respeito do tipo do produto ou serviço que
supostamente vendeu, bem como e, provavelmente, não requereu a apresentação da nota fiscal,
ou seja, não foi capaz de impedir, mesmo ciente, que seu sistema fosse
utilizado criminosamente em desfavor da Autora.
Verifica-se, na
hipótese, apenas um “jogo de empurra”, mas tal comportamento não é capaz de
impedir a conclusão que houve uma falha no sistema do Réu e que possibilitou o
ingresso de golpistas para realizar a operação bancária de compra, a crédito.
Nas condições ora
informadas, então, vemos que as falhas do Réu foram sucessivas, pois
inicialmente não apresentou meios para que a Autora pudesse averiguar uma
compra indevida de forma imediata e permitiu a invasão de seu sistema por
terceiros.
Ainda que a verificação
dos dados do comprador tenha sido feita por meio da intermediadora de
pagamentos xxxxx Ltda, as falhas são as mesmas e a responsabilidade do Réu,
neste caso é solidária, já que faz parte da cadeia de consumo.
Aliás, o valor da compra
fraudulenta foi entregue aos fraudadores, apenas devido ao fato que o Réu criou
um crédito sem que fosse requerido, o que é atitude abusiva, nos termos do
Artigo 39, inciso III do Código de Defesa do Consumidor, a seguir transcrito:
“Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre
outras práticas abusivas:
[...]
III - enviar ou
entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer
qualquer serviço;”
(grifo ausente no texto oficial)
Na hipótese, a
declaração de inexigibilidade e o cancelamento do débito são providências que
se impõem e integram a responsabilidade objetiva do Réu, ou seja, independente
de demonstração de culpa, a teor do que preconiza o caput do Artigo 14
do Código de Defesa do Consumidor, a seguir transcrito:
“Art. 14. O fornecedor
de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação
dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos
serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas
sobre sua fruição e riscos.” (grifos ausentes no texto original)
E o defeito na prestação
dos serviços prestados pelo Réu, além dos motivos já citados, decorre também, da falta de segurança,
que se mostrou evidente face ao fato que a Autora não teve como se defender da
situação, por falha do Réu, que não lhe comunicou imediatamente da operação,
impedindo qualquer reação e demonstrou ser incapaz de detectar a fraude, mesmo após
comunicado, não sendo este, o resultado que se espera neste tipo de prestação
de serviço, ou seja, os consumidores em geral esperam ser imediatamente
comunicados por operações financeiras realizadas com o cartão de crédito, bem
como que tais operações sejam impedidas e, se realizadas, seu devido
cancelamento após a comunicação da fraude.
O conceito legal de
serviço defeituoso se encaixa perfeitamente nesta hipótese, o que se depreende
pela simples leitura do § 1º, do Artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor,
cujo texto segue apresentado:
“§ 1° O
serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode
esperar, levando-se em consideração as circunstâncias
relevantes, entre as quais:
I - o modo de seu fornecimento;
II - o
resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III - a época em que foi fornecido.” (grifos ausentes no texto original)
Assim, ao fim podemos
verificar a existência de quatro tipos de falhas na prestação dos serviços pelo
Réu, que ficam evidentes e são: (i) a concessão de crédito sem
solicitação da Autora; (ii) a incapacidade de comunicar a Autora, de
forma imediata, de transação financeira realizada com crédito; (iii) a
incapacidade de identificar e bloquear uma transação financeira fraudulenta e; (iv)
a impossibilidade de evitar novas fraudes.
Nessas circunstâncias,
vemos que a interpretação do E. Tribunal de Justiça de São Paulo não poderia
ser outra, o que podemos ver na simples leitura dos julgados abaixo
apresentados:
“Inexigibilidade de débito c/c indenização por danos morais – Negativação
– Empréstimo em
plataforma virtual ('mercado pago') – Serviço de pagamento a crédito ('mercado
crédito') – Cobrança indevida – CDC – Inversão do ônus da prova (artigo 6º,
inciso VIII, do CDC)– Cabimento – Ausência de prova da contratação, ônus do
qual o réu não se desincumbiu (artigo 373, inciso II, do CPC)–
'Prints' do sistema interno do réu que, na hipótese dos autos, são
insuficientes a comprovar as operações impugnadas – Ausência de demonstração da
contratação dos serviços de pagamento a crédito – Inexistência de indícios de
que a consumidora/autora tenha efetuado as operações (compra de
produtos) na plataforma virtual 'mercado livre' – Cédulas de crédito
eletrônicas sem certificação de autenticidade das respectivas assinaturas, com
indicação de credora distinta, que não comprovam a existência e regularidade da
contratação – Peculiaridade do caso – Contrato eletrônico – Formalização de
contratação digital que não prescinde de prova de sua constituição válida e
regular – Eventual
fraude perpetrada por terceiro – Irrelevância – Incidência dos artigos 2º e 17
do CDC – Risco da atividade a ser suportado pelo fornecedor – Responsabilidade
objetiva da instituição credora, com fulcro no risco da atividade (artigo 14 do
CDC)– Inexigibilidade do débito – Reconhecimento – Dano moral configurado –
Indenização devida – 'Quantum' indenizatório – Arbitramento em patamar adequado
– Observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade – Regra de
equilíbrio – Extensão e consequência da injustiça – Sentença
mantida – RITJ/SP, artigo 252 – Assento Regimental nº 562/2017, artigo 23.
Recursos não providos.
(TJ-SP - AC: 10055361520218260268 SP 1005536-15.2021.8.26.0268, Relator:
Henrique Rodriguero Clavisio, Data de Julgamento: 17/08/2022, 18ª Câmara de
Direito Privado, Data de Publicação: 17/08/2022)” (grifo nosso)
“AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS – FRAUDE EM PLATAFORMA
DE COMÉRCIO ELETRÔNICO – Autora que reclama ter suportado prejuízos em
razão da movimentação desautorizada de suas contas mantidas junto ao Mercado
Livre e Mercado Pago, pelo que pede indenização – Sentença de parcial
procedência mantida – Cerceamento de defesa inocorrente – Fraude praticada por terceiro
que é incontroversa, mostrando-se inócua dilação probatória objetivando sua
demonstração – Código de Defesa do Consumidor, ademais, que incidente na
hipótese tratada nestes autos, predicado da aplicação da teoria finalista
mitigada – Autora que é consumidora dos serviços de 'e-commerce' prestados pela
ré – Responsabilidade objetiva das fornecedoras inafastável – Falha de
segurança evidenciada – Rés que permitiram, sem maiores entraves, acesso e
movimentação, por terceiro fraudador, de valores de titularidade da autora,
junto a si depositados – Indenização devida – Honorários
advocatícios majorados – PRELIMINAR AFASTADA. RECURSO DESPROVIDO (TJ-SP - AC:
10095251820198260068 SP 1009525-18.2019.8.26.0068, Relator: Angela Lopes, Data
de Julgamento: 25/02/2021, 27ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação:
25/02/2021)”
“AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS – FRAUDE EM PLATAFORMA
DE COMÉRCIO ELETRÔNICO – Autora que reclama ter suportado prejuízos em razão da
movimentação desautorizada de suas contas mantidas junto ao Mercado Livre e
Mercado Pago, pelo que pede indenização – Sentença de parcial procedência
mantida – Cerceamento de defesa inocorrente – Fraude praticada por terceiro que
é incontroversa, mostrando-se inócua dilação probatória objetivando sua
demonstração – Código de Defesa do Consumidor, ademais, que incidente na
hipótese tratada nestes autos, predicado da aplicação da teoria finalista
mitigada – Autora que é consumidora dos serviços de 'e-commerce' prestados pela
ré – Responsabilidade objetiva das fornecedoras inafastável – Falha de
segurança evidenciada – Rés que permitiram, sem maiores entraves, acesso e
movimentação, por terceiro fraudador, de valores de titularidade da autora,
junto a si depositados – Indenização devida – Honorários advocatícios majorados
– PRELIMINAR AFASTADA. RECURSO DESPROVIDO. (TJ-SP - AC: 10095251820198260068 SP
1009525-18.2019.8.26.0068, Relator: Angela Lopes, Data de Julgamento:
25/02/2021, 27ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 25/02/2021)”
E se não bastasse, os
fatos narrados atraem a incidência da Súmula nº 479 do Superior Tribunal de
Justiça, reforçando a interpretação sobre a existência de responsabilidade
objetiva do Réu em cancelar o débito, devido à responsabilidade sobre fraudes
ocorridas, utilizando-se seus sistemas, vejamos:
“Súmula n. 479
do STJ: As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados
por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no
âmbito de operações bancárias. (SÚMULA 479, SEGUNDA SEÇÃO,
julgado em 27/06/2012, DJe 01/08/2012)”
O Réu é Instituição
bancária[1]
por equiparação, pois fornece crédito, razão pela qual a Súmula 479 do C. STJ é
perfeitamente aplicável ao caso.
Vemos nos entendimentos
apresentados através dos julgados acima transcritos, que a interpretação sobre
a inexigibilidade do débito lançado nas faturas de cartão de crédito em nome da
Autora e a condenação do Réu no cancelamento dessa dívida, não apresenta
variações.
Não seria justo
penalizar a Autora, lhe forçando a assumir o risco do negócio estabelecido pelo
Réu, já que as perdas pelas fraudes devem ser arcadas por ele próprio, que
explora a atividade empresarial com o fito de lucro, incidindo, assim, na
responsabilidade objetiva em cancelar a dívida, por ser absolutamente
inexigível, ainda mais quando falha em sua missão em proteger o consumidor de
fraudes.
Por essas razões, a
presente ação deve ser julgada totalmente procedente para que seja declarada a
inexigibilidade do débito de R$ 2.704,10 (Dois mil, setecentos e quatro reais e
dez centavos) efetuado em nome da Autora, por meio do sistema de crédito
administrado pelo Réu no dia 20/04/2.024 e determinar o cancelamento da dívida
e seus acessórios (Juros, correção monetária e encargos contratuais), conforme
pedido específico apresentado ao final.
2.2. Dos danos morais
A indenização por danos
morais, no caso dos autos é in re ipsa, ou seja, não depende de
discussão, pois decorre do ato ilícito da falha na prestação dos serviços, que,
por sua vez, configura descumprimento do contrato, haja vista que o
descumprimento decorre da interpretação legal que a lei é supracontratual, se
aplicando à relação jurídica ora discutida, independentemente da vontade das
partes, razão pela qual deve prevalecer o entendimento da aplicação do Artigo
14, caput do Código de Defesa do Consumidor, como corolário da regra
geral insculpida nos artigos 186[2]
e 927[3]
do Código Civil.
A presunção do dano
moral, na hipótese, decorre da previsibilidade do sofrimento da pessoa que é
vítima de um ilícito, seja ele de que natureza for, que causa, naturalmente,
sofrimentos, razão pela qual a condenação do Réu no pagamento de uma
indenização por danos morais é medida que deve ser reconhecida de forma
objetiva.
No que diz respeito à
gravidade, inicialmente vemos que a Autora ficou exposta à fraude diante das falhas do serviço prestado pelo
Réu, o que a colocou em situação de total vulnerabilidade, já
que, o fato de sua conta digital ter sido invadida e o prejuízo ocorrido,
aconteceu por falta de alertas e cuidados que eram de responsabilidade do
prestador dos serviços, o que demonstra que tal situação não condiz com
a segurança que se espera de um serviço financeiro e o torna totalmente
defeituoso, conforme a definição legal.
Vemos que o Réu permitiu
que a Autora fosse vítima de um crime por meio de seu sistema, que não impôs a
segurança que deveria.
Trata-se de um ilícito
bastante grave, pois inseriu aleatoriamente uma pessoa em um negócio jurídico
como devedora de uma alta quantia, acidente de consumo que não pode ocorrer,
sob pena de abalar de forma consistente, a credibilidade do sistema bancário e
de pagamentos do país.
Uma outra situação que
emergiu da fraude que o Réu não conseguiu evitar ou mesmo corrigir quando
comunicado, acabou por se transformar em uma dívida, cuja primeira parcela está
vencida e logo deve ser inscrita no cadastro de maus pagadores do SERASA, o que
pode agravar severamente a gravidade do dano moral sofrido com a situação, caso
não seja deferida a decisão em sede de tutela de urgência, que ao final restará
requerida.
Também não se pode
deixar de citar o abalo psicológico gerado na Autora, no sentido de ter sido
vítima de um golpe onde o Réu não foi capaz de evitar, sendo obrigada a
vivenciar uma situação totalmente hostil, onde lhe fora atribuída uma dívida
que não contraiu, que está inscrita nos cadastros restritivos do SERASA, fato
que acaba por repercutir em suas finanças, já que seu crédito está totalmente
restrito na praça.
Deve ainda compor a
avaliação acerca da profundidade do dano moral gerado, o fato do Réu não ter
solucionado o problema, mesmo após ter sido informado da fraude, se mostrando incapaz de resolver
o problema, o que não é uma conduta respeitosa para com o consumidor.
Vemos então, que o dano
moral é evidente na situação, pois temos o fato ilícito que vitimou a Autora,
temos o nexo causal, demonstrado nos documentos já juntados, temos a
responsabilidade objetiva do Réu e demonstradas as situações que emergiram da
fraude que permitiu ocorrer com a utilização de seus sistemas e diante de seu
controle sobre os valores discutidos.
Apresentadas as
informações e argumentos que dão noção da extensão do dano, se torna possível
tecer considerações e apresentar fundamentos acerca de sua valoração.
Pela gravidade do dano,
vemos que a indenização deve, levando-se em consideração a gravidade e extensão
do dano, a capacidade financeira das partes, a justa compensação, sua
finalidade punitiva, compensatória e seu fim pedagógico, deve ser arbitrada em
valor que não seja exagerado, contudo não seja ínfimo, a ponto de reforçar a
ofensa sofrida[4].
Vemos que o Réu é uma instituição financeira, de
enorme potencial econômico e técnico, motivo que deve ser levado
em consideração para que o valor da indenização seja suficiente para que o
caráter pedagógico da indenização não se perca.
A Autora, por sua vez é Arquiteta,
empresária e possui reconhecimento e prestígio no meio social e profissional
que convive, razão pela qual a valoração da indenização deve considerar tal
situação, para que o caráter compensatório seja atendido satisfatoriamente.
Do ponto de vista de sua
condição social e financeira, não seria qualquer quantia que seria suficiente
para que a finalidade compensatória, fosse atingida no presente caso.
Levando em conta as
razões apresentadas, bem como o dano causado e suas consequências, entende-se,
s.m.j., que o valor da indenização por danos morais, neste caso, não pode ser
inferior a R$ 15.000,00 (Quinze mil reais), para que atinja sua tríplice função
(punitiva, pedagógica e compensatória).
A Jurisprudência do E.
Tribunal de Justiça entende plausível o valor acima, conforme podemos ver no
julgado abaixo:
“APELAÇÃO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. FRAUDE BANCÁRIA PRATICADA POR
TERCEIROS. Sentença de parcial procedência para condenação dos
requeridos ao pagamento de reparação pelo dano material. Inconformismo das
partes. Acesso
indevido à conta corrente. Autora teve sua conta bancária invadida por
terceiros, que
subtraíram os valores nela constantes por meio de transferências.
Transações que fogem ao padrão de gastos da consumidora. Responsabilidade objetiva do
banco por danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos
praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias (
Súmula 479 do STJ) Restituição do valor subtraído, de forma simples. Condenação dos réus ao pagamento
de indenização por danos morais, fixada em R$ 15.000,00.
Sentença parcialmente reformada. Recurso da autora parcialmente provido.
Recurso dos réus desprovido. (TJ-SP - AC: 10031612520218260047 SP
1003161-25.2021.8.26.0047, Relator: Régis Rodrigues Bonvicino, Data de
Julgamento: 18/02/2022, 21ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação:
18/02/2022)” (grifos ausentes no texto original)
Não podemos deixar de
considerar para a análise do dano moral, o fato que a fraude que vitimou a
Autora só foi possível, face ao ato ilícito do Réu, de conceder um produto que
não havia sido solicitado (Crédito) e foi parte desse crédito, que foi usurpado
na fraude, o que demonstra que o ato ilícito praticado pelo Réu foi condição sine
qua non para a própria existência desta situação, razão pela qual a
gravidade da situação deve ser devidamente considerada.
A presente ação deve,
então, devido aos critérios de ordem técnica, legal e jurisprudencial, ser
julgada totalmente procedente para que o Réu seja condenado ao pagamento de uma
indenização por danos morais, em valor mínimo de R$ 15.000,00 (quinze mil reais),
a fim de atender todas as funções a indenização, como ao final se requer.
2.3. Inversão do ônus da prova
A Autora invoca, na
oportunidade, a aplicação do Artigo 6º, inciso VIII do Código de Defesa do
Consumidor[5],
que permite a inversão do ônus da prova.
O Réu também possui,
presumidamente, um sistema de dados moderno e operado por profissionais, razão
pela qual se revela a dificuldade da Autora, frente a todo o seu poderio
econômico e estrutural, que deve arcar com o ônus da prova, que não ocorreu
tudo que foi relatado nesta petição inicial, principalmente em relação à
fraude.
Por fim, não se pode
exigir da Autora, mera consumidora, que apresente provas do crime fraude ou dos
meios que foram utilizados para investigar a alegação de fraude junto ao
recebedor, dentre outras provas que estão em seu poder, o que torna a relação
processual/probatória desequilibrada, em razão do poderio técnico, financeiro e
natural do Réu frente à Autora, que se torna hipossuficiente diante desse
quadro.
Também é necessário
destacar que empresas que são Instituições Financeiras dispõem de setores de
verificação de fraude e que possuem poder de entrar em contato com a empresa
que recebeu o crédito e solicitar provas da transação comercial que originou o
pagamento, o que demonstra seu poderio probatório e o desequilíbrio processual
existente neste sentido em relação à capacidade da Autora.
Por essas razões, o
encargo probatório deve ser invertido, nos termos do inciso VIII do Artigo 6º
do Código de Defesa do Consumidor, o que resta ao requerido ao final.
2.4. Da necessidade da concessão de
decisão em sede de tutela de urgência
Conforme vemos na
documentação e nas alegações apresentadas inicialmente nesta petição inicial, a
Autora tem a necessidade urgente de que a cobrança e a exigibilidade das
prestações, bem como de todo o débito, sejam suspensos, até final julgamento,
para que não existam danos maiores dos que já foram causados.
Não pode a Autora,
continuar suportando encargos jurídicos relativos a uma dívida que não
autorizou ou conhecia, como já amplamente explanado, fato que ocorreu apenas
devido a falhas ocorridas na prestação de serviços prestados pelo Réu.
Tal fato também está
impondo à Autora, além daquilo que já a vitimou, também o risco da eliminação
de seu crédito perante o comércio de produtos e serviços, prejudicando também seu
relacionamento com instituições bancárias, com a possibilidade da inscrição no
SERASA, o que se configura fato que é injusto, já que o débito em questão
jamais foi contraído.
Essas razões permitem
que seja prolatada decisão liminar em sede de tutela de urgência, com
fulcro no Artigo 300 do Código de Processo Civil[6],
que permite, em caso da existência de elementos de prova que demonstrem
positivamente a probabilidade do direito e o risco ao resultado prático do
processo, que seja apreciada a questão em caráter de urgência.
Neste caso, a prova da
decorre não só dos documentos juntados, mas também, do fato notório que
instituições bancárias enviam, invariavelmente, o nome de consumidores
inadimplentes para os cadastros do SERASA, fato que demonstra, por presunção, que
a Autora pode sofrer restrições a créditos de toda e qualquer natureza.
E arcar com esse estigma
de má pagadora, seria mais uma consequência nefasta que o pedido da decisão em
caráter de tutela de urgência visa evitar, pois seria teratológico manter o
nome da Autora negativado por tempo indefinido, diante da probabilidade de
êxito, sustentada pela interpretação do arcabouço legal aplicável nesta
situação e pela prevalência do entendimento jurisprudencial que impõe a
responsabilidade de fatos como os que aqui estão sendo discutidos, como sendo
do Réu.
Não há o que se falar em
irreversibilidade da medida, que também é requisito para a concessão da tutela
de urgência, uma vez que suspender a exigibilidade do débito, não gera qualquer
tipo de prejuízo financeiro ao Réu, pois pode ser compensado com a cobrança dos
valores corrigidos monetariamente.
Por tais razões, se faz
necessário que seja deferido, como ao final se requer, o pedido da concessão de
decisão em sede de tutela de urgência para que o Réu suspenda imediatamente a
cobrança dos valores referentes ao débito que consta em nome da Autora, em sua
totalidade, mediante a intimação urgente por via de mandado judicial.
3. Considerações finais
Após ofertada toda a
fundamentação para a causa, percebe-se que estamos diante de um caso clássico
de responsabilidade objetiva de indenizar por causa de falha na prestação dos
serviços, que consistiu em negligências que permitiram não só a ocorrência, mas
a consumação da fraude.
Com a instrução
processual, bem como com a utilização dos mecanismos processuais da inversão do
ônus da prova e da apresentação de documentos, ficará determinada a total
responsabilidade do Réu, em conjunto com os documentos que são juntados nesta
oportunidade.
Desta forma, a ação deve
ser julgada totalmente procedente para que seja declarada a inexigibilidade do
débito e a responsabilidade do Réu em indenizar a Autora, posto que sua
responsabilidade restará totalmente provada ao final do processo.
Essas razões determinam
a procedência da ação, não só para imprimir carga declaratória para considerar
o débito original de R$ 2.704,10 (Dois mil, setecentos e quatro reais e dez
centavos), inexigível de pleno direito, mas também para que a r. Sentença
atribua carga condenatória, para que o Réu seja obrigado a cancelar a dívida e
seus reflexos e, ainda, seja condenado a pagar uma indenização por danos
morais, tudo nos moldes dos pedidos feitos a seguir.
4. Dos pedidos
Ante ao exposto, requer
a Autora:
a) Que a presente ação seja processada,
autuada e recebida na forma da Lei;
b) Que o Réu seja citado no
endereço fornecido no preâmbulo, para ofertar defesa, no prazo legal, caso
assim queira;
c) Que seja concedida decisão em sede
de tutela de urgência, com base legal no artigo 300 do Código de
Processo Civil, para que seja determinado ao Réu que proceda à suspensão da
cobrança da totalidade da dívida, impedindo que seja levada aos cadastros do
SERASA, sob pena de multa diária, até que o presente processo seja julgado, na
forma da lei;
d) Que seja invertido o ônus da
prova, com base legal no artigo 6º, inciso VIII do Código de defesa do
consumidor;
e) Que a presente ação seja julgada totalmente
procedente para:
(i)
Declarar
a inexigibilidade da dívida creditada em nome da Autora em sua conta
de Crédito aos 20/04/2.024, de valor original de R$ 2.704,10 (Dois mil,
setecentos e quatro reais e dez centavos) e encargos moratórios,
por ser fruto de uma fraude;
(ii)
Condenar
o Réu na obrigação de cancelar o débito, bem como seus encargos
moratórios, referentes à compra não autorizada realizada em 20/04/2.024,
no importe de R$ 2.704,10 (Dois mil, setecentos e quatro reais e dez centavos);
(iii)
Condenar
o Réu no pagamento de uma indenização por danos morais, em importe
mínimo de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), notadamente pelo fato que existiam
totais condições da fraude ter sido evitada, até porque foi informado em tempo
hábil para adotar as providências necessárias para que a fraude não se
consumasse;
f) Que o Réu seja condenado ao
pagamento das custas processuais e verbas de sucumbência, na forma da
legislação vigente;
g) Que, caso haja concordância do
Réu, seja designada audiência para tentativa de conciliação;
i) Que a Autora possa provar o
alegado por todos os meios de prova que são admitidas pela legislação
vigente e pertinentes para o caso em tela, notadamente o depoimento pessoal da
Autora, do representante legal do Réu, oitiva de testemunhas, juntada de
documentos novos, bem como todas aquelas que se tornarem necessárias ao longo
da instrução processual, sem exceção.
Dá-se à causa, o valor
de R$ 17.158,10 (Dezessete mil, cento e cinquenta e oito reais e dez
centavos), para os fins de direito.
Nestes termos,
P. deferimento.
São Paulo, 2.024.
ÉRICO T. B. OLIVIERI
OAB/SP 184.337
ADVOGADO
[1]
“AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C. C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – Bloqueio de
conta em plataforma de e-commerce do Mercado Livre – Improcedência –
Aplicabilidade da legislação de consumo – Incidência da teoria finalista
mitigada diante da vulnerabilidade técnica da autora – "Mercado Livre - Mercado Pago" assemelham à
Instituição Financeira. Desde 09/11/2020, o Mercado Livre recebeu aval do Banco
Central (BC) para atuar como instituição financeira. Desconto de
recebíveis do autor, de valores contestados pelo cliente acerca de transações
comerciais realizadas, sob a alegação de que houve fraude – Inexistência de
elementos que demonstrem ter havido falta de diligência do autor ao concretizar
as vendas – Risco inerente à atividade da ré – Ausência de esclarecimentos da
ré acerca da obrigação contratual descumprida pelo autor de modo a permitir a
aplicação da penalidade descrita na cláusula 10 "dos termos e condições de
uso", ou seja, quais os elementos concretos que ensejaram o bloqueio da
conta e paralisação das atividades do autor. A ré, não se desincumbiu de seu
ônus probatório, razão pela qual conclui-se que os bloqueios da conta do autor,
junto a plataforma do Mercado Pago, foram abusivos. Sendo assim, de rigor o
restabelecimento da conta do autor- Fortuito interno - Responsabilidade
objetiva nos termos do artigo 14 do CDC. A instituição financeira responde
objetivamente pelos danos gerados por fortuito relativo a fraudes e delitos
praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias. Aplicação da Súmula 479 do
STJ, por ser risco da atividade bancária. Danos Morais fixados
em R$ 10.000,00 (dez mil reis). Recurso Provido. (TJ-SP - AC:
10007328920228260196 SP 1000732-89.2022.8.26.0196, Relator: Ramon Mateo Júnior,
Data de Julgamento: 04/07/2022, 15ª Câmara de Direito Privado, Data de
Publicação: 04/07/2022)” (grifos e destaques ausentes no texto original)
[2]
Código Civil – “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
[3]
Código Civil – “Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar
dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá
obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos
especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor
do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”
[4]
Código Civil – “Art. 944. A
indenização mede-se pela extensão do dano.”
[5]
Código de defesa do consumidor - Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
[...] VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão
do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz,
for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras
ordinárias de experiências;
[6] Código de Processo Civil - Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. § 1 o Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la. § 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia. § 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.