quinta-feira, 7 de abril de 2022

[Modelo] Processo penal / Direito penal - Habeas corpus por excesso de prazo

 Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente da Seção Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

 

“Nada mais perigoso do que fazer-se Constituição sem o propósito de cumpri-la. Ou de só se cumprir os princípios de que se precisa, ou se entende devam ser cumpridos – o que é pior! (Pontes de Miranda)

 

[Nome e qualificação do impetrante – geralmente o advogado], onde recebe intimações, vem, respeitosamente perante V.  Exa. e esse Egrégio Tribunal, com fundamento no art. 5º, inc. LXVIII, da Constituição Federal e arts. 647 e 648, II, do Código de Processo Penal, impetrar o presente:

HABEAS CORPUS

em favor de [Nome e qualificação do paciente – quem está sofrendo restrição ilegal ao seu direito constitucional de ir e vir] e atualmente recolhido no Centro de Detenção Provisória de Mauá-SP, tudo pelos fatos e em razão dos fundamentos jurídicos a seguir expostos:

O paciente foi preso em 00/00/0000, por policiais militares em fiscalização de trânsito, em virtude de ordem de prisão preventiva, do MM. Juízo de direito da 00ª Vara Criminal Central de São Paulo – Capital, uma vez que pesa contra si, a acusação de ter supostamente participado do crime de roubo qualificado por uso de arma de fogo e corrupção de menor, conforme consta das cópias dos autos da ação penal processada perante o referido juízo de direito, sob o nº 0000000-00.0000.8.26.0000.

Na audiência de custódia[1], a prisão foi mantida, em vista dos elementos indiciários de de identificação da autoria, que constavam dos autos.

A denúncia fora ofertada em 00/00/0000, sendo que na data da prisão, o processo judicial já existia e poucos dias após à prisão, através de advogado habilitado, foi feito o pedido de liberdade provisória, visto entender a defesa, que o paciente fazia jus a esse direito, comprovado, outrossim, a sua primariedade, bons antecedentes, domicílio certo e profissão definida, contudo tal pedido foi negado, mediante parecer desfavorável do DD. Promotor Público.

Desta forma, foi designada audiência de instrução, ocorrida em 00/00/0000, contudo, tendo em vista que por motivos desconhecidos, não compareceu a testemunha arrolada de nome [nome da testemunha], bem como o paciente não foi conduzido do CDP de Mauá-SP para o Fórum Criminal da Barra Funda, em São Paulo-SP, motivo que prejudicou a realização da referida audiência.

Em prosseguimento, o MM. Juízo de Direito da 00ª Vara Cível designou audiência em prosseguimento da instrução, que ocorreu em 00/00/0000,  contudo, nesta audiência não foram ouvidas as testemunhas de defesa, mesmo presentes e nem mesmo ocorreu o reconhecimento formal da vítima em relação aos acusados e tampouco o interrogatório dos réus, inclusive do paciente, motivo que levou o referido Magistrado a designar audiência em continuação da instrução para o dia 00/00/0000, ou seja, daqui a aproximadamente 2 (dois) meses.

6. Assim, pelo que consta da cópia das principais partes do processo já especificado, ora juntadas, que a prisão do acusado já ultrapassa 105 (cento e cinco) dias, perfazendo hoje o total de 106 (cento e seis) dias e pelo que demonstra a documentação juntada, especialmente no que se refere à continuação da instrução, a prisão, caso absurdamente mantida, perfazer aproximadamente 6 (seis) meses, o que é inadmissível no sistema processual penal pátrio.

Nestas condições, Excelência, temos que o prazo máximo previsto para a realização de instrução processual encontra-se legal e fatalmente esgotado, gerando o constrangimento ilegal sofrido pelo paciente e objeto da presente impetração.

Na hipótese, temos ainda que considerar que tanto o inquérito, tanto a denúncia estavam sendo computados na forma prevista para réus soltos, contudo a partir de sua prisão, passou a influir no processo a condição de preso do paciente.

Ademais, a sistemática processual atual compreende o prazo do inquérito - 10 (dez) dias, do oferecimento da denúncia - 5 (cinco) dias, a resposta - 10 (dez) dias, da marcação de audiência - 60 (sessenta) dias – Ar. 400 CPP, ouvindo-se as partes, testemunhas e produzindo demais provas pertinentes e requerendo-se novas diligências, alegações finais sucessivas no prazo de 05 (cinco) dias (no caso de requerimento de diligências – Art. 404 CPP – totalizando 10 dias) e, no caso de requerimento de novas diligências, 10 (dez) dias para a prolação da Sentença, o que totaliza o prazo possível e total para a instrução e julgamento do processo, de 105 dias, contudo, mesmo se considerarmos a nova sistemática processual e os novos prazos introduzidos pela lei 11.719, de 2008, temos que mesmo assim, com a prova cabal de que a instrução perdurará até ao menos 00/00/0000, não pode o paciente aguardar que a lesão se consume, para que adote as providências judiciais que o caso requer, motivo que o leva a impetrar este pedido de habeas corpus, pois a lesão já está em curso, com a devida comprovação, o que demonstra estarem sendo desrespeitados os ditames cronológicos estabelecidos pelo Código de Processo Penal.

A infração à lei federal é literal e frontal, posto que o artigo 648 do referido codex assim preleciona:

“Art. 648. A coação considerar-se-á ilegal:

I - quando não houver justa causa;

II - quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei;”

Vemos que a sistemática atual dos prazos foi aumentada em 24 dias frente ao prazo anterior de instrução que era de 81 (oitenta e um) dias, mas mesmo assim o Poder Judiciário não conseguiu cumprir as determinações da Lei e frisa-se, exclusivamente por culpa do próprio Estado, que na primeira audiência não conduziu o paciente do CDP de Mauá-SP até o Fórum Criminal da Barra Funda por motivos desconhecidos mas sem qualquer culpa sua e na segunda, ante à ausência da vítima e o requerimento do DD. Representante do Ministério Público, para a oitiva do outro policial envolvido na prisão do menor que supostamente delatou o paciente, que não havia sido arrolado na denúncia.

Note-se que as testemunhas arroladas pelo paciente compareceram nas duas audiências, contudo não foram ouvidas, fatos que ocorreram sem qualquer participação da defesa ou do próprio paciente.

Sobre o tema, esse Egrégio Tribunal também assim se posiciona em casos dessa espécie:

Processo nº 0226723-58.2012.8.26.0000 - Habeas Corpus    

Relator(a): Alberto Mariz de Oliveira 

Comarca: Carapicuíba

Órgão julgador: 16ª Câmara de Direito Criminal

Data do julgamento: 12/03/2013

Data de registro: 21/03/2013

Outros números: 2267235820128260000

 

Ementa: Habeas Corpus homicídios qualificados consumado e tentado alegação de inocência e provas duvidosas - questões de mérito: impossibilidade de análise no writ impetração não conhecida - excesso de prazo verificado - atraso que não pode ser imputado à defesa - Ordem concedida de ofício aplicação de medidas cautelares: necessidade - extensão ao co-réu em idêntica situação.”

Outros julgados vibram no mesmo diapasão, por analogia; vejamos:

"A jurisprudência fixou em 81 dias o prazo para o término da instrução criminal estando preso o acusado. Ocorrendo excesso nesse prazo sem motivo justificado, impõe-se o relaxamento do flagrante" (Rts 526/358 e 523/375)”.

No mesmo sentido, Rts 399/68, 433/343, 420/246, 435/341, 526/362, etc.

De fato, o excesso de prazo torna a prisão ilegal e origina o direito à liberdade do paciente, desde que tal excesso seja injustificado e que não provenha de diligência requerida pela defesa. É o caso presente, pois o atraso decorre de uma ineficiência do próprio Estado que acaba por atacar profundamente, a dignidade do paciente.

Outro julgado, de maneira lúcida, apresenta exatamente a ilegalidade que recai sobre o direito de liberdade do paciente, vejamos:

“PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PRISÃO PREVENTIVA. EXCESSO DE PRAZO PARA O JULGAMENTO DA APELAÇÃO. FLAGRANTE ILEGALIDADE CONFIGURADA. ORDEM CONCEDIDA. 1. O excesso de prazo na segregação cautelar do paciente é inequívoco, uma vez que, preso cautelarmente desde 28/9/2014, ainda se encontra pendente de julgamento o seu recurso de apelação, em violação ao disposto no preceito inserto no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal. 2. Ordem concedida para relaxar a prisão do paciente, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo de que sejam impostas medidas cautelares constantes do art. 319 do Código de Processo Penal, caso demonstrada sua necessidade. (STJ - HC: 450970 SP 2018/0119486-2, Relator: Ministro NEFI CORDEIRO, Data de Julgamento: 11/09/2018, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/10/2018)” (grifo intencional)

Na hipótese, se não bastasse, restam feridas também, normas de caráter supra-constitucional, tendo em vista que a Convenção Americana de Direitos Humanos, assegura as devidas garantias processuais dentro de um prazo razoável[2]; a Constituição Federal, expressamente (Art. 5º, inciso LXXVIII)[3] e por fim as normas de caráter federal já citadas e contidas no Código de Processo Penal.

Os princípios constitucionais aqui aplicáveis demonstram que o processo deve ser eficiente, ocorrer em prazo razoável e entregar o direito e respeitar as garantias e contrapesos de ordem constitucional, seja ele de que natureza for. Se de natureza penal, não se pode segregar-se sem a observância da força dos direitos que envolvem a dignidade da pessoa.

Como a Justiça não opera com a celeridade que dela se espera, rapidez ainda mais necessária quando se trata da liberdade de uma pessoa, muitos terminam por cumprir integralmente suas penas antes mesmo de condenados.

O tempo de prisão cautelar dilatado é ofende toda a sociedade, uma vez que um indivíduo que pode ser inocentado estará sofrendo danos morais e físicos, além de perder o emprego e ficar longe da família e dos amigos, o que poderá gerar consequências irreversíveis àquele que for absolvido, haja vista que o tempo em que passar na prisão não lhe será devolvido. 

Uma resposta processual célere tem inúmeras vantagens. A saber: facilita a produção (colheita) de provas, antes que elas desapareçam ou que as testemunhas esqueçam dos fatos, aumenta a confiança da população no Poder Judiciário, e diminui consideravelmente a sensação de impunidade, entre outros benefícios incomensuráveis.

É indispensável uma urgente reforma legislativa para que se estipule a duração do processo penal, tendo como ponto basilar a duração das prisões cautelares, entrementes, sem olvidar das situações anômalas, as quais, evidentemente, podem ocorrer. Ressalte-se que a duração do processo não pode ser tão rápida a ponto de cercear o direito à ampla defesa, ao contraditório e ao devido processo legal (art. 5º, LIV, CF/88).

Ademais, há de se dar relevo que a duração prolongada da prisão provisória afronta princípios constitucionais, especialmente, o da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88), a presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF/88) e razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, CF/88).

É tão absurdo o que acontece na atualidade, que se pode afirmar que o excesso de prazo para a conclusão de um processo criminal é um verdadeiro mal da justiça humana e que se torna mais grave a cada dia.

O processo não deve durar tanto, como se vê com uma frequência indesejada, nem tão pouco, como a regra dos 105 dias, haja vista ser necessária uma avaliação casuística, a qual engloba o princípio da razoabilidade.

O mal reside na falta de uma lei que estabeleça claramente os prazos e os motivos para a dilação do processo ou para a prisão cautelar. Caso os prazos fossem fixados, evitar-se-ia este desconchavo que acontece iterativamente.

O réu/indiciado, que está preso, tem direito público subjetivo de ser julgado num prazo razoável e, quando configurado excesso irrazoável na duração desta prisão, não pode permanecer exposto a tal situação de evidente abuso, ainda que o crime supostamente praticado seja considerado como hediondo ou a este equiparado, para que, efetivamente, haja a mais lídima Justiça.

10. Temos ainda, que a custódia cautelar do paciente, que está preso preventivamente por ordem do MM. Juízo da 00ª Vara Criminal Central da Comarca de São Paulo – Capital, não se justifica, a teor do que se verifica dos autos e das provas produzidas até o momento, pois além de ser primário e de bons antecedentes, não participou do delito, conforme restará demonstrado durante a instrução processual do processo já especificado.

11. Ante o exposto, que será suprido pelos doutos subsídios dos componentes da Egrégia Câmara Criminal, espera o impetrante seja concedida, em favor do paciente, a competente Ordem de Habeas Corpus para fazer cessar o constrangimento ilegal que sofre o mesmo, por ofensa aos prazos processuais estabelecidos em lei, além do fato de ter total direito ao acompanhamento do processo em liberdade, face aos princípios da inocência, razoabilidade, proporcionalidade, eficiência e devido processo legal, expedindo-se, imediatamente, Alvará de Soltura, a fim de que seja o paciente imediatamente posto em liberdade, em homenagem aos princípios que norteiam a distribuição da Justiça!

Nestes Termos,

P. deferimento.

São Paulo, data, mês e ano.

 

ÉRICO T. B. OLIVIERI

OAB/SP 184.337

ADVOGADO

 

 



[1] Resolução CNJ 213/20105 - Art. 1º Determinar que toda pessoa presa em flagrante delito, independentemente da motivação ou natureza do ato, seja obrigatoriamente apresentada, em até 24 horas da comunicação do flagrante, à autoridade judicial competente, e ouvida sobre as circunstâncias em que se realizou sua prisão ou apreensão.

[2] Convenção Americana de Direitos Humanos – Art. 8º - Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável por um juiz ou tribunal, independente e imparcial estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer natureza.

[3] Constituição Federal – Art. 5º inciso LXXVIII – A todos,  no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

 

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